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União Brasileira

de Caetano

Como foi a noite mágica que, há alguns dias, homenageou o grande compositor baiano, Prêmio UBC 2023

por_ Eduardo Fradkin do_Rio

Como foi a noite mágica que, há alguns dias, homenageou o grande compositor baiano, Prêmio UBC 2023

por_ Eduardo Fradkin do_Rio

Com uma festa que reuniu grandes nomes da música e do mercado fonográfico, a UBC se tornou a União Brasileira de Caetano, na noite de 5 de dezembro. A fachada da sede nacional na Rua do Rosário, Centro do Rio de Janeiro, foi tomada desde cedo por projeções do rosto e de letras de Caetano Veloso. Os elevadores que levavam ao auditório tocavam músicas do grande homenageado do Prêmio UBC 2023, criando o clima para uma série de shows de artistas convidados que interpretariam o repertório do músico baiano, numa Casa UBC abarrotada.

Sem saberem quem seriam as atrações daquela noite, Caetano e sua mulher, Paula Lavigne, fitaram da plateia, sorridentes, um palco por onde passaram Gilberto Gil, Luísa Sonza, Criolo, Ferrugem, Paula Lima, Jão, Giulia, João Gomes, Jaques Morelenbaum, Tim Bernardes, Pretinho da Serrinha, Zeeba e Ritchie.

Ao fim da noite, o homenageado se juntou a esse elenco para cantar "Odara", depois de receber o seu troféu e um elogio emocionado de Jaques Morelenbaum ao microfone: "Durante 14 anos, eu toquei contigo. É um quinto da minha vida. E você tentou me convencer inúmeras vezes de que quem era músico era o Gilberto Gil, e que você era um mero aprendiz. Você está enganado. Gilberto Gil é um grande músico. E você é um grande músico. Você sabe tudo, Caetano!". Gil complementou: "Por isso é que cabemos os dois na lâmpada". Caetano reagiu com admiração: "Poxa! O Jaquinho dizer isso para mim..."

Findo o espetáculo, o assediado astro contou com a ajuda do diretor-executivo da União Brasileira de Compositores, Marcelo Castello Branco, para se desvencilhar da multidão e sair do prédio. A impressão que ele deixou em Castello Branco foi de profunda alegria, numa noite muito aguardada pelo executivo.

A gente está na sétima edição do Prêmio UBC, e o Caetano foi uma escolha mais do que natural. A gente achou que esse era o momento correto, não só pela inegável relevância dele na música brasileira, como no pensamento brasileiro. Na curadoria, a gente procurou trazer novas leituras da obra do Caetano, através de artistas iniciantes ou consagrados, tentando fugir da obviedade. O objetivo foi surpreender e emocionar", disse Castello Branco, que viu Caetano ao vivo pela primeira vez em 1983, no Canecão, num show que o marcou pela inclusão da música "Todo Amor Que Houver Nessa Vida", de Cazuza.

Para Geraldo Vianna, diretor administrativo e financeiro da UBC, a turnê de "Ofertório" é a que traz as melhores recordações de Caetano, por seu clima familiar, já que ele dividia o palco com os filhos Moreno, Tom e Zeca:

"Caetano Veloso é tudo na música. É um grande músico, poeta e intérprete. Todos os seus temas têm muita profundidade e uma mensagem forte. Um tema que sempre me chamou atenção, por ter uma letra incrível, é 'No Dia que Eu Vim-me Embora', do período da Tropicália", elegeu ele.

É IMPORTANTE UM PRÊMIO COMO ESTE JOGAR LUZ SOBRE A QUESTÃO DOS DIREITOS AUTORAIS, POIS, SE NÃO FOSSEM O COMPOSITOR E SUAS CANÇÕES, TODA UMA INDÚSTRIA NÃO EXISTIRIA.

Marcel Klemm, diretor-geral da Warner Chappell Brasil

Entre os fãs ilustres presentes na celebração, havia uma que ganhara uma canção de presente do ídolo. Era a atriz e apresentadora Regina Casé.

"É o maior compositor e o maior poeta do Brasil. Tem algumas músicas que, para mim, são especiais, como 'Muito' e 'Rapte-me, Camaleoa', que ele fez para mim (na época, Regina vivia a personagem Camaleoa na peça 'Aquela coisa toda', do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone). Mas o meu disco favorito é 'Transa', e adorei que ele voltou a tocá-lo em shows. Já vi duas vezes", contou a artista, que, na Casa UBC, teve a chance de ouvir a faixa de abertura daquele disco, "You Don’t Know Me", na voz de Zeeba.

O cantor e compositor Chico César lembrou-se de uma ocasião em que Caetano lhe dedicou um show inteiro.

"De certo modo, eu sou compositor porque ele é compositor. Sou bastante influenciado por ele. Tive o prazer de vender discos do Caetano quando trabalhei, dos 8 aos 15 anos, numa loja na minha cidade. Inclusive, vendi as cinco cópias que chegaram lá do disco mais devolvido dele, 'Araçá Azul'. Lá, ninguém devolveu uma sequer. Ele tinha um público fiel em Catolé do Rocha, viu? Há dois anos, eu estava na França e fui ver um show dele em Paris. Ele dedicou uma música do bis a mim e, em seguida, disse que, na verdade, dedicava o show inteiro. Isso encheu o meu coração... o coração de um garoto que vendia os discos dele no sertão da Paraíba", exclamou Chico César, que se refere ao ídolo com superlativos: "Caetano Veloso é um dos maiores compositores da música popular brasileira, além de ser inegavelmente um dos seus maiores cantores. Então, ele resume o que a gente chama de cantautor.”

Caetano Veloso autografando um cartaz do Prêmio UBC

Caetano assina o cartaz do prêmio durante a noite especial

No caso do músico Wilson Simoninha, diretor vogal da UBC, o presente recebido de Caetano não foi uma música ou um show; foi seu próprio nome artístico.

Outra diretora vogal da UBC, a cantora e compositora Fernanda Takai, opinou que um ponto alto da noite foi a união de três músicos de estilos e gerações diferentes — Tim Bernardes, Jaques Morelenbaum e Pretinho da Serrinha — para tocar "Trilhos Urbanos".

"Ver tantos artistas diferentes aqui, prestando essa homenagem, é um sinal da genialidade e da pluralidade que Caetano tem. Ele atravessa o tempo. É um artista impecável. Além disso, é uma pessoa que sempre esteve muito atenta aos artistas novos. Quando a gente começou, há 30 anos, ele prestou atenção no Pato Fu. Quando eu gravei meu primeiro disco solo, eu me lembro de ter mandado um e-mail para ele contando que iria gravar 'Lindoneia', que é dele e do Gil. E ele respondeu: 'que coisa linda você fazer isso. Só a Nara (Leão) tinha gravado essa música, e você a resgatou'", recordou Takai.

"Ele insistia muito para me chamarem de Simoninha quando eu era criança. Ele falava isso para o meu pai (Wilson Simonal), e acabou virando a minha marca, o meu nome. Pouca gente sabe que o Simonal foi um dos primeiros artistas a gravar Caetano. Então, eu acompanho a carreira dele desde cedo e tive a oportunidade de trabalhar com ele algumas vezes. Sempre foi muito gentil; aceita sugestões dos músicos, confia em quem trabalha com ele. Caetano sempre esteve à frente do seu tempo, e a sua obra ficará para a eternidade. Acho fundamentais essas homenagens que a UBC faz, celebrando os artistas em vida", declarou Simoninha.

O saxofonista Leo Gandelman — que, assim como Simoninha, não estava no rol de atrações do evento e circulava em meio ao público — já fez releituras de músicas do Caetano no seu programa "Vamos Tocar", no canal Bis, com a presença do próprio autor do repertório: "Ele foi muito gentil. Eu o conheço há muitos anos, e é uma pessoa maravilhosa. A força literária dele é evidente. As coisas que Caetano canta fazem parte do cotidiano da gente. E a música é linda também. Ele não se considera exatamente um grande músico, mas é um grande músico", observou Gandelman, ao conversar com a Revista, antes do discurso de Jaques Morelenbaum que ecoaria a mesma opinião.

No auditório lotado, a atriz Mariana Ximenes, apresentadora da noite, deu início à homenagem chamando ao palco a cantora, compositora e presidente da UBC, Paula Lima, que apresentou a canção "Festa Imodesta".

"Essa música foi uma sugestão do Marcelo Castello Branco, que é um gênio e, com muita sabedoria, pensa nesse prêmio e conduz essa família gigante (da UBC). Foi a primeira vez que cantei no prêmio. Fiquei muito honrada e radiante de cantar olhando nos olhos do Caetano. Ainda estou processando o que aconteceu", confessou Paula ao descer da ribalta.

Depois dela, o compositor e cantor Ferrugem mostrou sua versão de "Você é Linda", e Luísa Sonza chegou com "Não me Arrependo".

"Eu sou muito, muito, muito fã. De um tempo para cá, tive a sorte de me aproximar dele e ter uma amizade. Quando o Zé Ricardo (diretor artístico do evento) me pediu para escolher uma música do Caetano de que eu gostasse, para cantar aqui, eu respondi: 'uma? É muito difícil'. Mas escolhi 'Não Me Arrependo'. É uma música que me inspira muito, gosto de cantá-la no dia a dia, em casa, tocando violão. A letra e o arranjo me encantam muito. Então, foi uma escolha muito pessoal, explicou Sonza, em seguida soando enigmática ao responder sobre a possibilidade de criar uma canção intitulada "Caetano": "O Caetano está em tudo. Ele está em qualquer artista de qualquer nicho da música brasileira, está no nosso DNA. Com certeza, teremos muitas coisas aí por vir.”

No alvoroço que tomou o palco após os shows, Caetano mal conseguiu falar com muitos dos que o cercaram, enquanto Paula Lavigne distribuiu elogios equitativamente: "Foi tudo maravilhoso. A gente não sabia de nada, (nem sequer) quem iria cantar. Foram todos lindos.”

Além de músicos, a plateia de Caetano reuniu produtores e executivos de gravadoras. "Eu tenho 44 anos e cresci ouvindo Caetano em casa. Hoje, tenho a honra e a responsabilidade de administrar o catálogo dele, que está na Warner Chappell. É importante um prêmio como este que o Caetano está recebendo jogar luz sobre a questão dos direitos autorais, pois, se não fossem o compositor e suas canções, toda uma indústria não existiria. No Brasil, nem todo mundo dá o devido valor ao direito autoral", pontuou Marcel Klemm, diretor-geral da Warner Chappell Music no Brasil.

O produtor musical Max Pierre lembrou uma negociação curiosa que teve com o gênio de Santo Amaro. "Eu entrei na Polygram/Universal em 1993. Caetano tinha brigado com a administração anterior, que exigiu que ele se comprometesse a gravar três discos para que renovasse o seu contrato. Ele disse que não faria isso, que gravaria um de voz e violão e iria embora. Então, nós fomos para a Bahia e entregamos um contrato em branco para Caetano e falamos: 'queremos você. A gente não conhece a Polygram sem você'. Assim, conseguimos que ele ficasse na gravadora", contou Pierre, que concluiu dando sugestões de nomes para as próximas edições do Prêmio UBC: "Em 2024, Caetano. Em 2025, Caetano de novo.”

GALERIA

VEJA AS FOTOS DA PREMIAÇÃO

"Close nos rostos de Lucinha Araujo, Caetano Veloso, Paula Lavigne e Regina Casé de perfil sentados em suas poltranos virados para o palco"
Miguel Sá
Lucinha Araujo, Caetano Veloso, Paula Lavigne e Regina Casé
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Caetano cumprimenta uma ‘baiana’ na chegada à Casa UBC.
Miguel Sá
Caetano cumprimenta uma ‘baiana’ na chegada à Casa UBC.
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O cantor e compositor Criolo
Miguel Sá
O cantor e compositor Criolo
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O cantor e compositor Ferrugem
Miguel Sá
O cantor e compositor Ferrugem
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O cantor e compositor Gilberto Gil
Miguel Sá
O cantor e compositor Gilberto Gil
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Miguel Sá
A cantora e compositora Giulia
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Cantor Jão cantando ao microfone no palco do prêmio ubc
Miguel Sá
O cantor e compositor Jão
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Cantor João Gomes cantando no palco do prêmio UBC
Miguel Sá
O cantor e compositor João Gomes
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Cantora Luiza Sonza cantando no palco do prêmio ubc
Miguel Sá
A cantora e compositora Luiza Sonza
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Mariana Ximenes apresentando o prêmio no palco
Miguel Sá
Atriz apresentadora Mariana Ximenes
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Paula Lima se apresentando no palco do prêmio ubc
Miguel Sá
A cantora, compositora e presidente da UBC, Paula Lima
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O cantor e compositor Ritchie reinterpreta ’Shy Moon’
Miguel Sá
O cantor e compositor Ritchie reinterpreta ’Shy Moon’
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Tim Bernardes, Pretinho da Serrinha e Jaques Morelenbaum
Miguel Sá
Tim Bernardes, Pretinho da Serrinha e Jaques Morelenbaum
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O cantor e compositor Zeeba
Miguel Sá
O cantor e compositor Zeeba
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Caetano em frente à Casa UBC, no Centro do Rio
Miguel Sá
Caetano em frente à Casa UBC, no Centro do Rio
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Projeções de imagens alusivas ao homenageado na fachada do prédio da UBC
Miguel Sá
Projeções de imagens alusivas ao homenageado na fachada do prédio da UBC
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Projeções de imagens alusivas ao homenageado na fachada do prédio da UBC
Miguel Sá
Projeções de imagens alusivas ao homenageado na fachada do prédio da UBC
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Lucinha Araujo, Caetano Veloso, Paula Lavigne e Regina Casé
Caetano cumprimenta uma ‘baiana’ na chegada à Casa UBC.
O cantor e compositor Criolo
O cantor e compositor Ferrugem
O cantor e compositor Gilberto Gil
A cantora e compositora Giulia
O cantor e compositor Jão
O cantor e compositor João Gomes
A cantora e compositora Luiza Sonza
Atriz apresentadora Mariana Ximenes
A cantora, compositora e presidente da UBC, Paula Lima
O cantor e compositor Ritchie reinterpreta ’Shy Moon’
Tim Bernardes, Pretinho da Serrinha e Jaques Morelenbaum
O cantor e compositor Zeeba
Caetano em frente à Casa UBC, no Centro do Rio
Projeções de imagens alusivas ao homenageado na fachada do prédio da UBC
Projeções de imagens alusivas ao homenageado na fachada do prédio da UBC
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Artigo: Caetano, um dos maiores poetas líricos, por Antonio Cicero

CAETANO, LUZ DO SOL

por_Ronaldo Bastos do_Rio

Caetano Veloso está presente na vida brasileira desde as primeiras composições. Sendo ele mesmo um dos maiores intérpretes da nossa música, já no início de carreira Caetano teve canções gravadas por Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e o amigo e parceiro Gilberto Gil, entre outras e outros grandes intérpretes. A influência da bossa nova - fundamentalmente de João Gilberto -, mais evidente nos primeiros anos de música de Caetano, tem sido uma constante na sua obra. Caetano soube aproveitar as conquistas do estilo que tomou conta do mundo nos anos 1960, sem nunca cair na caretice. O movimento tropicalista, do qual Caetano foi um dos grandes criadores e representantes na música e no pensamento, aproveitou essa e quase todas as outras influências existentes no Brasil e no mundo, na passagem dos anos 60 para os 70, para criar algo potente, com o qual a juventude daqueles anos se identificou para sempre.

Os anos 70 foram especialmente produtivos. O artista compôs muito e entregou em primeira mão várias dessas canções para artistas como Erasmo Carlos, Baby do Brasil, Elis Regina, Roberto Carlos, Gal, Bethânia; inaugurou parcerias com Milton Nascimento, Chico Buarque e Beto Guedes; lançou inúmeras marchinhas de carnaval, hoje clássicos da nossa música; gravou álbuns de estúdio que foram e são referência para todas as gerações que se seguiram (os discos registrados no exílio londrino do artista ‘Caetano Veloso’ e o celebrado ‘Transa’, o experimental ‘Araçá Azul’, ‘Jóia’, ‘Qualquer Coisa’, ‘Bicho’, ‘Muito’, ‘Cinema Transcendental’ [álbum no qual Caetano apresentou uma composição de Moa do Katendê, começando a chamar a atenção para a arte e a beleza de afoxés e blocos afro da Bahia]); produziu ‘Drama’, de Maria Bethânia - talvez o álbum mais 'moderno' da diva, e ‘Cantar’, de Gal Costa - um dos melhores álbuns da artista, no qual Caetano juntou forças com os geniais músicos e arranjadores João Donato e Perinho Albuquerque, além de trazer os compositores Péricles Cavalcanti e a cultuada dupla Jorge Mautner e Nelson Jacobina, entre outros.

O compositor Ronaldo Bastos: uma revisita, década a década, à obra de Caetano
Divulgação

O compositor Ronaldo Bastos: uma revisita, década a década, à obra de Caetano

Nos anos 80, Caetano encarou novos mergulhos: participou do álbum ‘Brasil’, de João Gilberto, ao lado de Maria Bethânia e Gilberto Gil; abraçou a arte de Cazuza, registrando ao vivo uma das primeiras composições do artista; abriu-se a novas parcerias artísticas com nomes como Djavan, Marina Lima, Angela Ro Ro, Elza Soares, Luiz Melodia, Zezé Motta, Ritchie e Arto Lindsay; aprofundou sua relação artística e de amizade com Wally Salomão e Antonio Cícero; teve canções incluídas em trilhas de novelas e séries de TV, algumas delas compostas especialmente para esses produtos audiovisuais; participou do álbum ‘Cais’, interpretando lindamente essa minha parceria com Milton Nascimento; dirigiu o documentário ‘O Cinema Falado’.

Com o álbum ‘Circuladô’, Caetano entra nos anos 90 com o pé na porta, mostrando mais uma vez sua força criativa e interpretativa e todo seu poder de reinvenção. Nesses anos, teve canções lançadas por Adriana Calcanhotto (‘Naquela Estação’, parceria com João Donato e comigo - a única que fizemos juntos), Alcione, Jussara Silveira e Cássia Eller, além de inaugurar parcerias artísticas com Ryuichi Sakamoto e Cesária Evora. O álbum em parceira com Gilberto Gil lançado em 1993, ‘Tropicália 2’, apresentou ao mundo dois novos standards da música brasileira, ‘Haiti’ (que alguns anos depois ganharia gravação antológica de Elza Soares) e ‘Desde que o Samba É Samba’ (que também seria imortalizada anos depois por João Gilberto). Foi também na década de 90 que Caetano conquistou de vez o mercado hispano-americano, com o álbum ‘Fina Estampa’. O produtor e pesquisador uruguaio Leo Pereda, que é quem faz comigo as playlists para a UBC, disse a respeito de ‘Fina Estampa’ lá pelo final dos anos 90 'essas são, de longe, as melhores gravações dessas músicas' - algo que ele defende até hoje. Na década de 90 Caetano também interpretou belas canções em italiano em show ao vivo registrado em disco, descobriu no Bando de Teatro Olodum a cantora Virgínia Rodrigues, compôs junto a Cézar Mendes 'Aquele Frevo Axé’, música lançada por Gal Costa no seu belíssimo disco homônimo produzido por Celso Fonseca, e se aproximou da Axé Music criando um dos maiores hits do gênero, ‘A Luz de Tieta’.

Na virada do milênio o artista mostra novamente toda sua força e personalidade com o álbum ‘Noites do Norte’. Produz junto a Celso Fonseca o álbum de Mart'nália ‘Pé do Meu Samba’, cuja faixa-título é de autoria de Caetano e se torna um sucesso instantâneo. Grava músicas de outros compositores para filmes como ‘Lisbela e o Prisioneiro’ e ‘Meu Tio Matou um Cara'. Compõe com o filho Moreno a canção ‘Sertão’, para o primeiro álbum do artista. Produz o álbum ‘Nova Cara’, do Afroreggae, incluindo a canção ‘Meus Telefonemas’, depois gravada por Negra Li. Lança em 2002 o álbum, em parceria com Jorge Mautner, ‘Eu Não Peço Desculpa’ e, dois anos depois, solta no mundo ‘A Foreign Sound’, seu primeiro álbum totalmente cantado em inglês. Nessa década, Caetano também trabalha junto a José Miguel Wisnik na trilha para o espetáculo ‘Onqotô’, do Grupo Corpo, canta com Luciano Pavarotti e grava CD e DVD ao vivo com Roberto Carlos em homenagem a Tom Jobim.

FELIZ DE SER - ALÉM DE 'COLEGA' E CONTEMPORÂNEO - AMIGO DE CAETANO, QUERO DIZER A ELE OBRIGADO POR TUDO.

Ronaldo Bastos

A segunda metade da década de 2000 é particularmente marcada pela parceria com a banda Cê, composta por Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado. Caetano gravou com os jovens colaboradores os discos ‘Cê’ (2006), ‘Zii e Zie’ (2009) e ‘Abraçaço’ (2012), todos muito bem recebidos por crítica e público. A sonoridade do trio e as temáticas das canções ajudaram o artista a conquistar uma nova geração de fãs. Mas, antes de ‘Abraçaço’, Caetano abriria a década de 2010 se aventurando na produção do emblemático álbum ‘Recanto’, de Gal Costa, com canções dele feitas especialmente para essa grande artista brasileira, recebendo muitos elogios por parte da crítica, tanto por mostrar a cantora em excelente forma quanto pelo repertório e pela sonoridade que o álbum apresentava. Também em 2010, Caetano produziu a trilha sonora do filme ‘O Bem Amado’, para o qual compôs duas músicas novas. Nesses anos o artista disponibilizou novos registros ao vivo de antigas e novas composições, em shows gravados com David Byrne (2011), com Gilberto Gil (2015), e com os filhos Moreno, Zeca e Tom (‘Ofertório', 2018). Caetano encerrou a década compondo ‘Amaro a Xerém’, para o projeto ao vivo de Maria Bethânia e Zeca Pagodinho, e a canção ‘Pardo’, para a cantora paulista Céu.

Por fim, na década em que estamos, Caetano não só está encantando a todos com sua nova versão ao vivo do álbum ‘Transa’, como ainda nos presenteia com um dos seus melhores trabalhos dos últimos tempos, na minha opinião: o álbum ‘Meu Coco’. O artista também grava em dueto com seu filho Tom a canção ‘Talvez’, de Cézar Mendes e Tom Veloso, e grava junto a Kleber Lucas a canção ‘Deus Cuida de Mim’, composta pelo reconhecido artista de música cristã contemporânea.

Caetano sempre se destacou por apresentar shows artisticamente muito bem cuidados e emocionantes. Eu e o Leo Pereda selecionamos alguns desses registros nas playlists, sempre tentando respeitar a linha do tempo do artista.

Tendo eu a sorte de ter conhecido o Caetano ainda na década de 1960, posso dizer que a missão dada pelo Marcelo Castello Branco a mim e ao Leo (quem conhece tudo e tem o mesmo amor que eu pela obra do Caetano) de fazer playlists de Caetano por década foi encarada com propriedade, pesquisa, amor e muita responsabilidade. Agradeço mais uma vez à UBC por ter confiado em nosso olhar e ter nos proporcionado essa experiência. Feliz de ser - além de 'colega' e contemporâneo - amigo do Caetano, quero dizer a ele OBRIGADO POR TUDO. Viva Caetano!

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