por_Isaque Criscuolo • de_São Paulo
"Ai, meu Deus, eu vou morrer sozinho”; "Eu juro, eu não te amo, eu só bebi demais”; "Não me ponha no altar que eu sou meio desonesto”; e "Eu vou te amar como um idiota ama" são trechos de composições de Jão e exemplos perfeitos do que o torna tão único. É nessa combinação de sofrência com ironia fina que o cantor paulista de 29 anos vem conquistando o Brasil, quebrando recordes no streaming e lotando estádios.
Algo que parecia um sonho distante para aquele menino de 17 anos que, em 2011, saiu da paulista Américo Brasiliense (33 mil habitantes) para estudar publicidade na capital e fazer a carreira de artista vingar. Mas que só cinco anos depois começou a se materializar, ao postar seus primeiros covers no YouTube, ter sucesso com eles e se arriscar com um single autoral, “Dança Pra Mim”.
Mais dois anos, e já alcançava o primeiro lugar da lista Viral Brasil do Spotify, com “Imaturo”. Uns meses mais, e seu álbum de estreia, “Lobos”, era um dos 50 melhores de 2018 para a “Rolling Stone” brasileira.
Conexão: o artista durante um show, um momento descrito como de comunhão com o público
A primeira turnê de Jão, a do disco “Lobos", aconteceu entre setembro de 2018 e junho de 2019, seguida pela turnê do segundo álbum, “Anti-Herói”, de outubro de 2019 a fevereiro de 2020. Uma sequência de apresentações que sedimentaram a conexão presencial com seu público, um dos seus grandes fortes. ”Ele fez o Cine Joia (SP) em 2018, depois o Tom Brasil em 2019, Espaço Unimed em 2021 e o Allianz Parque em 2022. Foi um degrau após o outro, e acho que isso constrói uma carreira muito estável, diferente do que a gente vê muitas vezes no Brasil, em que os artistas aparecem e somem muito rápido", reforça Pedro Tófani, sócio e diretor criativo de Jão.
"Comecei numa época um pouco estranha de transição do mercado. Redes sociais, streamings e rádio tinham papéis muito diferentes. Meus primeiros passos foram muitos: eu fazia absolutamente tudo que eu conseguia pensar em fazer. No começo, sem um plano muito traçado, apenas tentando colocar meu nome por aí. Já fiz show de graça na Paulista, (apresentações em) karaokês, microfones abertos… Isso foi criando uma comunidade de pessoas que estão aí até hoje", conta João Vitor Romania Balbino, o Jão.
O GRANDE TRUNFO
Este talvez seja seu maior segredo. Ele não só usa as táticas da geração Z à qual pertence, uma turma de múltiplos focos simultâneos, múltiplas linguagens, múltiplos gêneros: Jão verdadeiramente se conecta a ela. Seus fãs são uma comunidade coesa, engajada, que o acompanha incondicionalmente. "As letras do Jão foram responsáveis por criar uma rede de fãs e pessoas que se identificam com o que ele viveu e vive. Essa capacidade de nutrir a comunidade é um dos pilares do sucesso dele”, descreve Isabela Pétala, repórter da “Bilboard Brasil”.
Para Renan Augusto, sócio, amigo e “irmão de vida” de Jão, o artista tem um talento único e uma segurança admirável sobre seu próprio caminho e seus objetivos. "Ele não se desvia dos seus propósitos artísticos por seduções passageiras ou por ânsias de conquistas momentâneas. Acho esta sua maior e mais destacável qualidade, principalmente em tempos tão fluidos e efêmeros no cenário musical brasileiro", diz.
Esse caráter tão centrado o levou, só dez anos depois de chegar a São Paulo, a saltar ao mainstream. Foi com o álbum “Pirata” (2021), grande ponto de virada. O evidente mérito artístico e o estouro de três singles — “Coringa", "Não Te Amo", e “Idiota" — lhe renderam duas indicações ao Grammy Latino 2022, o troféu MTV Millennial Awards Brasil 2022 de álbum do ano e uma indicação ao Prêmio Multishow de Música Brasileira 2022 (neste 2023, aliás, “Pilantra”, dele com Anitta, foi eleito o melhor clipe do ano).
"2022 extrapolou meu trabalho, pra quem não queria (ver) ou ainda não via. As pessoas começaram a falar 'ah tá, agora eu entendo' o que meus fãs estavam fazendo ali desde 2018. Então, foi um ano chave pra mostrar tudo o que sabíamos fazer de melhor", analisa o artista, que cita uma passagem particularmente especial naquele momento, sua estreia no Lollapalooza: “Se for para escolher uma apresentação só, não tem como não citar o Lolla. Aquele dia virou uma chave na minha carreira. A sensação de subir naquele palco, ver aquele mar de gente sem fim cantando e pulando é algo que nunca quero esquecer.”
A turnê de “Pirata”, iniciada em março de 2022, percorreu América Latina e Europa, permitindo a Jão realizar, em abril, o show de abertura da turnê da banda Maroon 5, no Allianz Parque, tocando para mais de 45 mil pessoas. Esta foi a primeira vez em que ele se apresentou em um estádio. Além da performance inesquecível no Lolla, também teve show no Rock in Rio. E a turnê finalizou em dezembro de 2022 com um show gratuito no Vale do Anhangabaú em São Paulo. No total, foram 40 apresentações e um enorme sucesso comercial, recebendo um público de 250 mil pessoas e arrecadando R$ 30 milhões. Jão acabou eleito Homem do Ano 2022 pela revista “GQ Brasil” na categoria música.
A naturalidade com que tem lotado estádios e arrastado multidões aos palcos de megafestivais faz prever uma trajetória crescente como artista pop.
"Estamos acostumados a ver artistas internacionais ocuparem estádios. De um tempo para cá, nomes como Jão e Ludmilla mostraram que também são artistas com essa demanda, no mesmo patamar de uma Ivete Sangalo e de bandas míticas como o Titãs”, avalia Bruno Costa, jornalista e produtor de cultura e lifestyle da “Vogue Brasil”.
UNIÃO DE FORÇAS
Ludmilla, por sinal, é uma entre várias parcerias nas quais vem apostando o jovem paulista para expandir (ainda mais) seu público. O feat dele na faixa “A Boba Fui Eu”, lançada por ela, está no top 15 dos vídeos mais vistos no canal de Ludmilla no YouTube, com 56 milhões de visualizações. Jota Quest, Luísa Sonza, Nando Reis, Anitta, a também mencionada Ivete… São muitos os astros e estrelas com os quais ele dividiu composição ou microfones nos últimos anos. Mas ainda tem dois sonhos a cumprir: compor com Marisa Monte e Rodrigo Amarante.
"São pessoas que me tiram da minha zona de conforto. Como minha música sempre nasce de um espaço muito íntimo, fico tenso em colaborar. Não é um processo tranquilo pra mim. Anavitória e eu conversamos muito sobre o assunto, Gustavo Mioto também. Pessoas de que gosto", diz.
Quando Jão fala sobre sua música nascer de um espaço íntimo, se refere justamente ao elemento que mais o conecta aos fãs. O cantor e compositor transforma suas experiências amorosas e sofrências em letras divertidas, leves, bem-humoradas. Outro elemento marcante de sua música é a autorreferência, pequenos easter eggs criados para instigar os fãs e gerar uma experiência única para quem ouve. É também através da arte que o artista fala de sua bissexualidade e se tornou uma referência para milhares de jovens e adolescentes da comunidade LGBTQIA+.
2022 EXTRAPOLOU MEU TRABALHO, PARA QUEM NÃO QUERIA (VER) OU AINDA NÃO VIA. AS PESSOAS COMEÇARAM A FALAR 'AH, TÁ, AGORA EU ENTENDO' O QUE MEUS FÃS ESTAVAM FAZENDO ALI DESDE 2018. ”
Jão, cantor e compositor"Jão fala de uma maneira que vem muito do coração, diferente de muitas músicas pop e cantores pop que a gente vê hoje em dia. É um ótimo contador de histórias", diz Isabela Pétala. “Ele apresenta uma construção que mescla coisas importantes e populares, principalmente com o sertanejo, a MPB, o pop, sabendo falar muito bem com os jovens. Conforme vai amadurecendo, o trabalho amadurece também, e sua importância para a cena musical só tende a crescer.”
"Somos tão diferentes e ricos em originalidade, tem tanta coisa acontecendo, acho que poderíamos nos abrir. Eu quero dançar, mas também quero refletir, quero chorar, quero acordar de uma maneira boa. Sinto que em outros países, apenas como observador, muitos artistas diferentes dividem um grande espaço”, ele afirma em relação à mistura de gêneros que o caracteriza.
O QUE VEM POR AÍ
Este ano, Jão lançou o álbum “Super”, pensado para encerrar a quadrilogia composta por “Lobos” (2018), “Anti-Herói” (2019) e “Pirata” (2021), uma jornada marcada por autoconhecimento, amor próprio, sexualidade e autenticidade. O lançamento quebrou recordes, com 120 mil ouvintes nos primeiros 30 minutos e mais de 8 milhões de streams nas primeiras 24 horas no Spotify, superando a marca anterior, da americana Taylor Swift, com "Midnights".
Durante o festival The Town, em setembro, Jão deu um teaser da “Superturnê”, que começa em janeiro de 2024 e passará por 13 capitais brasileiras. A primeira apresentação será no Allianz Parque, em São Paulo, e os mais de 50 mil ingressos se esgotaram em apenas cinco horas.
"Eu sempre entrego um disco com o próximo já começado. Afinal, o tempo que se leva pra fazer um álbum é uma vida toda que você vive. Agora que a quadrilogia está completa, me sinto mais relaxado pra me arriscar e experimentar novas coisas", conta.
Ao mesmo tempo em que se prepara para shows cada vez mais grandiosos nesta nova turnê — e passos cada vez mais grandiosos nos próximos anos de sua carreira —, ele transita com naturalidade entre este mundo sob os holofotes e a proteção da sua comunidade, da sua rede de fãs e, não menos importante, da sua rede de amigos. Este parece ser seu lastro para manter a serenidade em meio ao turbilhão do megassucesso.
Catarse: habituado e enormes multidões, ele arrasta um público fiel
"Estamos trabalhando muito, agora chegamos ao momento em que as coisas não são só ideias, mas já estão se materializando. Estou dentro de um contexto do pop mainstream, existe pressão, mas não me deixo abalar. Nunca cedi muito à exposição, e acho que isso não vai mudar. Adoro cantar pra milhares de pessoas, ter uma agenda doida e todas as coisas gostosas que esse conforto e essa atenção me dão”, pondera, para depois completar: “E também adoro, depois, voltar pra casa e encontrar meus amigos e jogar ‘Super Mario’.” •