por_Eduardo Fradkin • do_Rio
Com novidades como uma banda residente, um piano bar e rodas de samba e choro em sua varanda defronte ao mar de Copacabana, o Blue Note Rio chega ao fim do ano num crescendo de atividades. Após uma encarnação no Complexo Lagoon, no bairro da Lagoa, que durou de 2017 a 2019, a filial carioca da famosa casa de shows nova-iorquina reabriu no início de outubro deste ano, na Avenida Atlântica, perto do hotel Copacabana Palace. Uma nota positiva numa cidade cujos problemas vêm causando ruído.
A fachada da casa, na Avenida Atlântica, em Copacabana
Uma estreia, neste início de dezembro, é o fim de tarde musical na varanda externa, batizada de Blue Note Rio Calçadão, com capacidade para 110 visitantes. Aos sábados, a atração é o Samba da Gambiarra e, aos domingos, Zé Paulo Becker comandando uma roda de choro. "Em 2024, podemos ter mais coisas, como um jazz de roda. Estou conversando, por exemplo, com o Tom Ashe, um inglês que tem um projeto lindo chamado Favela Brass. Ele construiu uma escola de música na favela (Pereirão, Zona Sul do Rio) e bota os jovens para tocar", adianta Stain. Na área interna, embaixo do salão principal, foi inaugurado, em novembro, o Blue Note Rio Piano Bar, com 140 lugares.
E a improvisação — alma do jazz — tem estado presente desde a primeira noite, que precisou ser reformulada sem sair do tom.
"O show de inauguração seria com o João Donato, mas ele faleceu quando faltavam dois meses e meio. Eu queria tanto manter o João Donato na programação que chamei a Orquestra Atlântica para fazer um tributo a ele, e foi emocionante", conta o diretor musical e curador da casa, Daniel Stain.
Naquele mês inicial, também houve circunstâncias favoráveis, lembra Stain. Era uma época em que ótimos músicos estrangeiros estavam de passagem pelo Brasil. "A gente começou com várias atrações internacionais, foi uma coisa bacana. Tivemos Martin Pizzarelli, Christian Scott, Kurt Rosenwinkel, Alfredo Rodriguez... então, foi um começo internacional e com a variedade que iria se tornar a cara da casa. Christian Scott faz um jazz moderno; Martin Pizzarelli é mais tradicional; já Alfredo Rodriguez tem um som mais latino, cubano", aponta o curador, que também é sócio da casa.
Segundo ele, a pluralidade é crucial para a saúde financeira do negócio, e ele admite que isso não estava na sua cartilha quando se instalara no Lagoon, em 2017. "Eu sou um amante do jazz, mas, aos poucos, fui sacando que não tinha como fazer uma casa de nicho de jazz. Uma coisa que funciona muito bem no Blue Note São Paulo, e que eu estou tentando implementar aqui (no Rio), é justamente essa variedade. Em São Paulo, a terça é o dia dos novos nomes; a quarta é o dia do rock e do blues; a quinta é o dia do jazz e dos tributos; a sexta tem um set de bossa nova e outro com música mais dançante, na linha do groove e da black music; e sábado é o dia das grandes estrelas, como Maria Rita, Hermeto Pascoal e outros", descreve ele.
Apesar do desejo de implementar no Rio a fórmula de sucesso da filial paulistana, Stain vê diferença nos espectadores das duas cidades. "Em São Paulo, há mais nichos de público. A pessoa que vai no dia do rock não vai no dia da bossa nova. No Rio, eu vejo menos variação. Em geral, o mesmo público frequenta diferentes tipos de shows, do Baile do Síndico do Tim Maia ao jazz moderno do Christian Scott".
DIVERSIDADE NO DNA
O empresário Luiz Calainho, sócio no empreendimento, mostra-se afinado com o curador nos rumos da programação: "Quando eu pensei em trazer a marca Blue Note para o Brasil, pensei na força da música brasileira e na diversidade de gêneros que temos aqui. Nos dez anos em que trabalhei como executivo da Sony Music, viajei muito, vi uma infinidade de shows e festivais e constatei que, em nenhum lugar do mundo, há tanta diversidade musical quanto no Brasil. Então, quis ter um lugar que agregasse essa diversidade de gêneros, num ambiente intimista e com boa gastronomia.”
Fazendo um balanço de fim de ano, Calainho elege os shows mais memoráveis que viu nesse período: "Assisti a um MPB4 de chorar, a um show de mais de três horas do George Israel e a uma performance mágica do Jaques Morelenbaum (com Paula Morelenbaum). Meu maior sonho é trazer o Roberto Carlos para um show intimista no Blue Note”, revela.
O sonho é ambicioso, levando-se em conta que o salão principal da casa paulistana tem 336 lugares, e o da filial carioca acomoda 200 pessoas. No entanto, artistas que costumam arrastar multidões maiores que essas já aceitaram fazer apresentações intimistas, em formato de voz e violão, como a cantora Céu. "É preciso adequar o show ao tamanho da casa", prega Stain.
Detalhe do salão do Blue Note Rio
CONTATO CONSTANTE COM NOVA YORK
Na linha de frente das contratações musicais, ele conta que os nomes na sua lista para o Papai Noel são o baterista e compositor inglês Yussef Dayes e o pianista americano Robert Glasper, que já esteve no Blue Note São Paulo, mas não no do Rio. O curador fica em constante contato com seus pares do Blue Note de Nova York: "O pessoal de lá me consulta para saber quem eu quero que toque no Brasil. Eu dou nomes, e eles falam com os empresários dos artistas, nos Estados Unidos. Eles também me ligam para dizer que determinado artista está indo para a América do Sul e me consultar sobre o interesse de tê-lo na casa.”
Além de ir atrás de contratações, ele é muito procurado por artistas que almejam o palco do Blue Note. Nesse caso, não adianta mandar CD-demo. "Eu já tenho até uma mensagem pronta que mando pelo WhatsApp. Peço links de vídeos no YouTube, de performances ao vivo. Hoje em dia, fazer um clipe e soar bem, qualquer um consegue. É fácil gravar num estúdio caseiro, passar um afinador na voz, como o Melodyne ou o Autotune, chamar músicos convidados maravilhosos e conseguir um resultado incrível. Aí, a pessoa grava com Fulano e Sicrano, mas, quando vai fazer show, é com outros músicos. Então, peço para ver vídeo ao vivo com a banda que faz o show", afirma.
A pressão de uma casa intimista também é um fator que não deve ser desprezado. "Tem artista que me diz que toca para 60 mil pessoas e não fica tão intimidado quanto nas ocasiões em que toca no Blue Note, para 200 ou 300 pessoas. O ouvinte está, literalmente, no pé do artista. As mesas da primeira fila são encostadas no palco. Então, se o músico erra uma nota, está todo mundo olhando atentamente. Nada passa despercebido", comenta Stain.
O contrário também acontece, segundo ele: "Vários artistas se sentem à vontade para andar pela casa. No show do Bossa Cuca Nova, o Rodrigo Sha e a Cris Delanno circularam no meio das pessoas. O Hamilton de Holanda também já circulou pelo salão, tocando. O George Israel subiu na mesa de um cliente. Os artistas se sentem em casa aqui. Às vezes, eles testam repertório no Blue Note, antes de sair em turnê. O público acaba vendo em primeira mão aquele repertório.” •