por_Alessandro Soler • de_Madri
Há décadas, a indústria repete um mantra sobre o mercado brasileiro: nosso país é um dos poucos em nível mundial onde o cancioneiro local é mais forte do que o estrangeiro, mesmo com a música avassaladora vinda dos Estados Unidos metida na conta. Um interessante estudo publicado pelos pesquisadores Will Page e Chris Dalla Riva, da London School of Economics, mostrou que o streaming está mudando esse panorama e ampliando o clube restrito dos países que preferem sua própria produção nacional.
Segundo o trabalho “‘Glocalização' do streaming de música dentro e fora da Europa”, nações como Reino Unido, Alemanha e Itália terminaram 2022 com todo o seu top 10 das mais tocadas dominado por músicas e artistas locais. No caso da Espanha, pela primeira vez, dez entre as dez primeiras canções mais escutadas eram em castelhano — embora nem todas fossem do próprio país, dado o enorme peso da produção contemporânea latino-americana.
A GLOCALIZAÇÃO NÃO FAZ TUDO FICAR IGUAL. AO CONTRÁRIO.”
Will Page, economista e especialista em mercado musicalA análise desses números feita pelos pesquisadores abala as estruturas de uma ideia também amplamente repetida: a de que o streaming (através dos algoritmos, principalmente) homogeiniza a música e beneficia nomes globais em detrimento dos talentos regionais.
Como não há critérios únicos para quantificar o sucesso em cada país, os autores do estudo usaram a metodologia da Luminate, a fonte oficial dos dados globais de streaming, que trouxe números de plataformas de áudio e vídeo de cada nação analisada. Depois, usaram o enorme banco de dados da Gracenot, uma empresa subsidiária da consultoria Nielsen focada na indústria audiovisual, para saber de onde eram os artistas. Por fim, tudo foi posto lado a lado com os bons e velhos charts das mais ouvidas, para entender em que lugar esses megahits apareciam nas rádios locais e nas listas de discos mais vendidos.
O cruzamento deixou claro: está em marcha um fenômeno que os pesquisadores chamaram de “glocalização”, ou seja, a adaptação local, com sons e sotaques próprios, de um panorama musical global.
Mas isto significa que a música está ficando igual em todos os lugares, mudando só a língua?
Para tentar responder a esta pergunta, entrevistamos Will Page, um dos autores do estudo. Ele não só vê um viés claramente positivo na glocalização como crê que ela tem permitido que cenas antes locais saltassem à arena global em igualdade de condições com a música dos EUA ou do Reino Unido. Confira.